Com o home office implementado por causa da pandemia, os horizontes se expandiram e a remuneração regionalizada perde o sentido
A pandemia não tem dado trégua para os temas de remuneração.
As demandas são as mais diversas. Passamos por momentos mais intensos de dowsizing, suspensão de contratos e reduções de jornada. Agora estamos reorganizando a casa, revisitando as estruturas, calculando os impactos de aumentos de times para viabilizar a retomada do crescimento, redesenhando planos de incentivos e administrando a sempre presente disputa por talentos.
Interessante como, mesmo em épocas de crise, sempre tem um mercado super agitado e ávido por profissionais de alta performance. Ou seja, temos uma agenda constante de revisão salarial e retenção de pessoas para administrar.
E para apimentar essa discussão, um tema cada vez mais presente é o dos efeitos do home office na regionalização da remuneração, assunto que ganhou ainda mais destaque depois do Google divulgar que passará a reduzir salários de profissionais que estiverem trabalhando de casa, em regiões que paguem menos, de acordo com referenciais de pesquisas salariais.
Não é uma novidade que o custo de vida, juntamente com a disponibilidade de profissionais qualificados, a densidade do mercado competidor de talentos e até os custos e eventuais incentivos fiscais de cada região interferem nos valores de remuneração praticados pelo país. Esta não é uma convenção só do Brasil, mas uma realidade globalmente difundida.
De forma geral, já percebíamos menor regionalização na remuneração de cargos executivos, gerenciais e também nos cargos operacionais, que recebem remunerações mais próximas ao salário mínimo ou são regidos por pisos de categoria. Desta forma, a diferenciação regional se dá no meio da pirâmide, nos cargos de nível técnico ou que necessitam de formação superior, além dos níveis iniciais de liderança.
O elemento novo nesta equação é que, com o advento do home office, alguns perfis de profissionais (os que atuam em escritórios e precisaram passar o último ano e meio confinados) puderam escolher de onde trabalhar. Estas pessoas puderam, por exemplo, sair dos grandes centros e experimentar a vida do interior e até trabalhar de outros países.
Do ponto de vista da empresa, os horizontes também se expandiram muito! Quem antes se limitava a contratar no eixo Rio-São Paulo passou a contar com profissionais tão qualificados quanto, fora das capitais. Ao mesmo tempo, empresas com sede em regiões mais afastadas agora acessam candidatos que não têm intenção de deixar os grandes centros. Outros países também estão pescando no nosso aquário, contratando brasileiros que não precisam mais sair de suas casas para ganhar salários em uma moeda muito mais estável e valorizada. Ou seja, neste novo ambiente, contratar talento não é mais uma questão de quanto ele custa, mas de quanto ele vale! O que me leva a crer que, pelo menos para profissionais de alta qualificação, não haverá mais limitação geográfica, portanto a lógica da regionalização já não mais se aplicaria.
E se a corrida por talentos agora não tem mais fronteiras, as empresas que ainda resistem a aceitar que o home office chegou para ficar e que conhecimento tem valor (esteja onde estiver) estão correndo sério risco de perder atratividade e poder de retenção.
Não imagino que seja viável estender esta prática a todos os cargos indistintamente. Não só a conta pode se tornar impagável, como também não é todo tipo de profissão que permite o trabalho remoto. Mas para os profissionais de carreiras mais especializadas, passaremos a efetivamente contratar as entregas que eles são capazes de fazer e não seu tempo de dedicação ou sua presença física. Para isso, é necessário ter bons líderes e um ambiente de confiança. E é justamente esse tipo de cultura que hoje em dia mais atrai e engaja, certo? Então é exatamente nesses lugares em que o novo modus operandi vai funcionar. Bom para eles! E boa sorte aos demais…
Se de quebra conseguirmos levar melhor infraestrutura para as cidades mais afastadas, que agora devem receber novos moradores desafogando os grandes centros, a economia toda agradecerá.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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