Ícone do automobilismo brasileiro firmou contratos de produtividade com fórmula que segue atual no mundo corporativo
Se eu tivesse que eleger uma figura que será sempre lembrada, admirada e perpetuada entre os brasileiros, eu colocaria Ayrton Senna no primeiro lugar do pódio. E esta referência não se limita às vitórias que enchiam de alegria as nossas manhãs de domingo, mas também se estende ao seu caráter, garra e carisma.
O Museu Nacional do Automóvel em Turim, na Itália, está realizando a exposição “Ayrton Senna para sempre”, em homenagem aos 30 anos da morte do piloto. Lá é possível ver de perto diferentes modelos de carros pilotados pelo brasileiro, além de objetos pessoais e documentos, dentre os quais destacamos um contrato com a DAP para a participação em 4 campeonatos de Kart no início de sua carreira na Europa. O contrato previa:
Valores fixos a serem pagos por competição
Valores adicionais em caso de vitória
Valores relativos a despesas com traslados
Estamos falando de uma negociação feita há mais de 40 anos, mas que mantém a essência do que consideramos importante numa estratégia de remuneração: pagar pelo trabalho a ser executado, premiar pelo sucesso e dar condições para sua execução.
Trata-se de um contrato de produtividade bastante simples, com métricas objetivas e redigido em uma só página, mas que passa todas as mensagens necessárias. Ayrton Senna receberia pagamentos fixos pela participação em cada um dos campeonatos e poderia dobrar este montante em caso de vitória. Os valores seriam maiores pela participação e pela vitória no campeonato mais importante, o World Champion. Ou seja, ele tinha 50% de sua remuneração em risco e sabia exatamente qual era seu principal foco.
Para quem recebe ou concede planos de remuneração variável, essa equação parece bastante familiar. O mundo da remuneração não mudou tanto assim ao longo dos anos. Mas, por vezes, sinto que tentamos resolver outros elementos de gestão por meio dos programas de incentivos, o que pode torná-los muito mais complexos e menos engajadores. As pessoas perdem o foco e se perdem nas mensagens. Problemas de gestão se resolvem com acompanhamento e atuação próxima da liderança, e não necessariamente com premiações incrementais e punições financeiras.
Na contramão deste aumento de complexidade dos planos de incentivos, temos também acompanhado empresas discutindo a potencial retirada da remuneração variável de times comerciais e até de executivos, migrando grande parte ou a integralidade dos pagamentos para uma base fixa mensal. Afinal, a palavra de ordem nos RHs é “inovação”, e se ela vier acompanhada de menos pressão e mais felicidade, melhor ainda!
O mundo corporativo está mudando e pode mesmo ser necessário buscar alternativas a ferramentas de gestão menos eficazes, mas não acredito que a resposta esteja pautada na completa disrupção do que vem sendo construído, testado e lapidado na remuneração. Existe uma lógica estruturante que garante a viabilidade das operações e que contempla também os custos de pessoal. Talvez esta seja uma solução possível para empresas de maior rentabilidade, sem grandes desafios de crescimento, com contratos mais estáveis e de longo prazo com os clientes e que não precisassem equalizar resultados com a gestão de custos. Mas este não é um cenário muito comum… O incremento do custo fixo sem a contrapartida do resultado não me parece sustentável para a maioria dos negócios.
Senna não ganhou os campeonatos relativos a este contrato do qual falamos. Os regulamentos de competições mudaram e os demais pilotos passaram a correr com motores mais potentes exatamente naquele ano, o que não o impediu de fazer o seu melhor e ter uma performance bastante positiva comparativamente aos demais oponentes.
Nem sempre se tem o equipamento mais moderno ou as melhores condições para alcançar a performance esperada, mas cada corrida foi um degrau fundamental para a construção do piloto que ele se tornou. E não é assim também nas empresas? Uma carreira de sucesso não se constrói somente em voo de cruzeiro. Às vezes é debaixo de chuva forte e nas piores condições que os melhores profissionais são formados.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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