O Brasil está em 89º no ranking de igualdade de gêneros no que diz respeito rendimentos e oportunidades
A discussão sobre diferenças salariais entre gêneros está cada vez maior, e é natural que as pessoas reajam com indignação sempre que algum estudo sobre o tema aponta desequilíbrios.
Um exemplo disto foi a repercussão recente de uma campanha realizada pelo Burger King, associando o tempo de entrega dos pedidos ao tempo que as mulheres levariam para alcançar a igualdade salarial: 267 anos! Também vemos com frequência publicações ressaltando um gap na casa de 20% no rendimento médio entre gêneros, a partir de dados do IBGE / PNAD.
Adicionalmente, um estudo vasto e muito completo do Fórum Econômico Mundial sobre igualdade de gêneros (Global Gender Gap Report), que conta com 156 países, apontou que o Brasil está em 89º lugar no ranking de 2021 quando considerado o tema de “rendimentos e oportunidades”. É fato que há ainda muito o que evoluir neste assunto, mas é preciso separar a discussão em partes para não corrermos o risco de chegar a conclusões simplistas ou equivocadas.
Nos meus 17 anos trabalhando com consultoria de remuneração e estudando a prática de mais de 150 empresas, posso afirmar que áreas de RH minimamente estruturadas trabalham na construção de políticas salariais que independem do gênero, cor, raça, credo ou quaisquer outros diferenciadores. Investem na criação de planos de cargos e carreiras que consideram diferenças entre as complexidades das funções, além de buscarem pesquisas de mercado para garantir que os salários a eles associados sejam adequados e capazes de atrair e reter profissionais qualificados.
Grande parte da discussão sobre a diferença percebida na remuneração de homens e mulheres é pautada em dados médios, que não consideram os perfis dos cargos, o porte das empresas, as diferenças setoriais ou o nível do cargo na hierarquia. Uma análise mais segmentada certamente traria menores dispersões.
Mas mesmo quando a comparação é feita dentro das próprias empresas e utilizando estas estratificações, ainda é possível encontrar diferenças (bem menores) entre gêneros. O problema é que as correções acabam concorrendo com outras pautas, como os aumentos por avaliação de performance ou para impedir o turnover quando algum profissional recebe uma oferta de mercado por exemplo, sendo que as empresas possuem um orçamento restrito para os reajustes salariais (em média, 2% a 3% da folha de pagamento). Ou seja, é preciso que esta seja uma bandeira prioritária nas organizações para que o gap seja mais rapidamente corrigido.
Outro ponto a ser considerado é que, segundo o estudo do Fórum Econômico Mundial, setores como os de tecnologia, serviços financeiros e engenharia são ainda majoritariamente masculinos. E são exatamente estes setores que melhor remuneram. Na verdade, temos mais homens do que mulheres em várias outras cadeiras de exatas, enquanto as mulheres acabam optando por formações em humanas, que tipicamente pagam menos.
Além disso, tanto este estudo quanto as análises do IBGE apontam que a jornada “remunerada” dos homens é maior do que a das mulheres, mas nem sempre esta diferença é equalizada nas divulgações. Em fato, os estudos salientam que as mulheres continuam trabalhando em atividades domésticas neste tempo adicional. Mas mesmo sendo esta ainda uma realidade, não faria sentido as empresas pagarem por horas que não foram a estas dedicadas.
Não quero dizer com isto que não haja um problema a ser resolvido, mas sob o meu ponto de vista, deveriam também ser considerados nestes estudos:
Áreas que mais pagam vs. áreas de menor remuneração
Temos ainda muito mais homens em atividades melhor remuneradas e não faz sentido misturar as análises.
Equalização de bases: Considerando diferenças de carga horária, de setor e porte das empresas, além de regionalizações.
Estratificações por nível da carreira: Neste quesito, é um fato que há muito mais homens em posições de liderança (73% vs. 27%, segundo o IBGE), e a meu ver, este seria o principal elemento a ser endereçado.
Meu ponto é que, para fazer uma análise justa, é preciso ir além da renda média por gênero. O foco das discussões deveria estar na aplicação indistinta de políticas de remuneração (com suas referências salariais por nível e perfil de cargo) e em ter ferramentas coerentes e assertivas de gestão do desempenho, que tragam clareza aos processos de meritocracia e de progressão na carreira. A partir daí, passamos a trabalhar na redução do viés de escolha entre homens e mulheres no momento da concessão de aumentos salariais.
Por fim, vale salientar que as questões relacionadas ao ESG, que contemplam também a diversidade de gênero, vêm ganhando destaque nas empresas de forma bastante consistente. E este é um motivo real para acreditarmos que estamos caminhando em direção a uma solução para os desequilíbrios ainda existentes.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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