O que os trabalhadores podem esperar do mercado para 2024?

Este não será um ano com grandes aumentos salariais – e as empresas vão precisar criar estratégias para atrair bons profissionais

O Brasil fechou 2023 com a menor taxa média de desemprego em quase 10 anos, de 7,8%, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). O resultado confirma a tendência de recomposição do mercado de trabalho após os impactos da pandemia – em 2022, a taxa foi de 9,6%.

Para 2024, especialistas consultados pela Forbes projetam um mercado ainda aquecido, diferentemente de outras economias mundiais, mas que ainda patina em relação ao aumento salarial. “O grande desafio é lidar com a ampliação da renda, que cresce muito aquém da necessidade e é uma trava ao desenvolvimento do país”, avalia Fausto Augusto Junior, diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Apesar da tendência positiva, quase 50% dos brasileiros (e 45% dos profissionais em todo o mundo) estão com medo de perder o emprego em 2024, mostra o estudo Workmonitor, da Randstad, que fez 27 mil entrevistas em mais de 30 países. “Passou o momento do boom de contratações e, desde 2023, já vemos uma nova realidade, com ainda mais receio dos profissionais em perder o emprego este ano”, diz Diogo Forghieri, diretor de talent solutions da Randstad Brasil.

Quem deve liderar a expansão em 2024, como no último ano, é o setor de serviços. O crescimento será desigual entre setores e estados do país, avalia o diretor do DIEESE. Em ano de eleições municipais, também deve haver ampliação de obras nas cidades. “Isso gera emprego e o setor da construção civil puxa a cadeia como um todo.”

Em 2023, o país criou 1,48 milhão de vagas de emprego formal, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o que representa uma queda de 26,3% em relação ao registrado em 2022. “Apesar da desaceleração no ritmo de crescimento, fechamos o ano com um bom saldo e com segmentos sensíveis na linha de expansão, como o setor de serviços”, diz Forghieri.

O agronegócio, a área de saúde e as fintechs também devem permanecer aquecidos em 2024 e liderar os principais aumentos salariais, segundo Fernanda Abilel, professora na FGV e fundadora da consultoria de remuneração How2Pay, que tem entre os clientes empresas como Globo, Itaú e Suzano.

Abilel também destaca as áreas de M&As (fusões e aquisições), planejamento financeiro, relações com investidores, inteligência de dados, segurança da informação e CRM. “As empresas têm investido em automação, digitalização e inteligência de dados. Profissionais com experiência nestes processos ganham destaque”, diz ela, assim como pessoas voltadas para a experiência do cliente.

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Nesse cenário de recomposição do mercado de trabalho, CEOs brasileiros estão mais otimistas em relação à economia do país do que a média global, segundo pesquisa da gigante de consultoria PwC, que ouviu mais de 4.500 líderes em todo o mundo. “A economia local indica tendências positivas – como taxa de juros, câmbio, dólar, índice de desemprego – e as empresas demonstram confiança de que os resultados vão crescer”, diz Abilel.

Ainda assim, a consultora de remuneração tem observado uma falta de apetite para IPOs e também uma queda nos valores de mercado de empresas já listadas. Isso desperta preocupações dos executivos, que possuem grande parte de seu pacote de remuneração atrelado a eventos de liquidez ou à performance dos negócios. “Sendo este um momento de instabilidade, há maior pressão por aumento na remuneração fixa, por mais segurança no pagamento de premiações anuais e por concessão de retention (prêmios por permanência).”

Embora exista essa pressão por parte dos profissionais, pesquisas mostram que essa não será a realidade da maioria das empresas este ano. Segundo a consultoria Mercer, 77% das empresas estão ajustando sua abordagem de remuneração para responder ao ambiente inflacionário – algumas vão ajustar bônus, dar aumentos baseados no custo de vida e outras vão aumentar os benefícios para evitar o aumento salarial.

Um relatório de tendências profissionais do Indeed, site de empregos disponível em mais de 50 países, destaca o aumento dos benefícios como uma estratégia usada pelas empresas para atrair e reter talentos.

No entanto, premiações pontuais e benefícios não são suficientes para segurar os profissionais. “É necessário ter uma remuneração fixa e uma bonificação anual minimamente alinhadas a padrões de mercado”, diz Abilel.

Apesar de o salário ainda estar no topo das prioridades dos profissionais, os empregadores podem buscar outras formas de atrair candidatos. A flexibilidade já é mais importante que o plano de saúde, mostra um estudo da WeWork. Uma pesquisa do Washington Post e Ipsos aponta que 55% dos profissionais que trabalham em casa estariam dispostos a aceitar uma remuneração menor para continuar no regime de home office.

No entanto, enquanto 40% dos profissionais querem trabalhar no modelo home office, a mesma porcentagem entre as companhias tem exigido o retorno ao escritório, segundo o Workmonitor. “Após um período de pandemia, quando profissionais qualificados tinham maior poder de escolha, as empresas voltaram a impor suas condições, como a volta ao presencial”, analisa o diretor da Randstad.

A especialista em remuneração Fernanda Abilel ainda observa um aumento de benefícios relacionados à saúde mental e outros programas de auxílio ao empregado, como orientação financeira e jurídica. “É importante estudar o perfil predominante de profissionais para montar uma cesta de opções com maior percepção de valor”, diz Abilel.

Profissionais também estão de olho em oportunidades de treinamento e desenvolvimento de habilidades. Quase metade dos brasileiros afirmou que não aceitaria um emprego que não oferecesse treinamento para garantir o futuro de suas habilidades – e as mais buscadas estão relacionadas com a inteligência artificial, mostra o estudo da Randstad.

Mas se os profissionais realmente buscam oportunidades que oferecem salários competitivos, podem considerar uma transição para as áreas mais demandadas dentro da tecnologia.

Em 2023, sete em cada dez cargos do segmento tiveram aumento salarial acima da inflação, mostra estudo da Michael Page. Entre as 62 posições analisadas, gerente de infraestrutura e gerente de consultoria SAP se destacaram, com aumentos de 59% e 56%, respectivamente.

Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho de tecnologia continua assombrado por layoffs.

O ano mal havia começado e grandes empresas e startups – como Google, Amazon, Microsoft e Duolingo – ainda estavam enxugando as suas operações depois de ondas de contratação na pandemia. E, em alguns casos, dedicando recursos a projetos de inteligência artificial.

Apesar de um relatório do FMI mostrar que a inteligência artificial vai afetar 40% dos empregos em todo o mundo, pesquisadores do MIT afirmam que essa tecnologia ainda não é financeiramente viável para as empresas na maioria dos casos. E que as previsões podem (e provavelmente vão) falhar.

Além disso, enquanto a IA tem o potencial de assumir tarefas rotineiras e operacionais, também já está criando todo um mercado que exige profissionais capacitados. Enquanto 14% dos CEOs da indústria de tecnologia no mundo preveem reduzir pessoal este ano ano devido à IA generativa, 56% deles também projetam contratar em 2024. E, no Brasil, a taxa dos que esperam mais funcionários nas suas empresas é ainda maior do que a média global.

Profissionais de tecnologia são demandados no mundo todo, já que há uma escassez global de talentos no setor. No Brasil, esse gap deve ultrapassar 300 mil pessoas este ano, mostra uma pesquisa do hub de inovação BrazilLab, que conecta empreendedores ao Poder Público, com a Fundação Brava. “No mercado de trabalho de TI, a concorrência é internacional”, diz o diretor do DIEESE. O Brasil está no top cinco entre os países com mais profissionais contratados globalmente.

Puxado pela inteligência artificial, que exige habilidades como programação, análise de dados e gerenciamento de sistemas inteligentes, o setor de tecnologia demanda profissionais qualificados, e oferece alguns dos melhores salários do mercado. As áreas de destaque são cyber security, ciência de dados, BI (inteligência de dados) e big data.