Como ficam os aumentos e promoções com o “RH estratégico”?

Existe hoje um certo nível de ansiedade por reconhecimento financeiro, como se um aumento salarial pudesse salvar um vínculo já quebrado por outras razões

Já ouviu a expressão “de médico e louco, todo mundo tem um pouco”? Pois é… eu incluiria nesse ditado mais um atributo porque posso afirmar que, na verdade, de médico, louco e especialista de remuneração, todo mundo tem alguma coisa!

Hoje, basta abrir a internet para ter acesso a referências de remuneração para quaisquer tipos de cargos. Isso faz com que as pessoas estabeleçam expectativas para seus próprios pacotes. Mas essas referências podem não trazer nenhum tipo de análise envolvendo a abrangência de atuação do profissional, o perfil de negócio, tipo de governança, porte e rentabilidade que devem ser considerados para equalizar as referências e determinar o salário mais adequado ao cargo dentro de uma empresa.

Além dessa abundância de dados disponíveis, as pessoas fazem comparação salarial entre colegas de trabalho, têm sua própria autopercepção sobre a evolução na execução das atividades, sobre o sucesso alcançado em projetos entregues e também consideram o tempo de permanência nas empresas, o que gera certo nível de ansiedade por reconhecimento financeiro.

Para resolver essa demanda, bastaria prever eventos de correção salarial para todos no orçamento anual! Além, é claro, de programar promoções de cargos a cada dois anos. Ops… hoje em dia a expectativa é de se ter pelo menos uma promoção anual!

Seria muito simples seguir essa lógica tão fluida e natural da progressão de todos, não fosse a necessidade de respeitar um patamar de custo de pessoal saudável e uma estrutura organizacional coerente. Gosto sempre de lembrar que, se todos fossem promovidos anualmente, em pouco tempo a empresa só teria diretorias. E é para isso que servem os sistemas de pontuação e pesagem de cargos, que trazem respaldo metodológico para a definição dos pesos das funções.

Com o tempo, deixamos de pensar as estruturas de cargos de acordo com a complexidade dos processos corporativos e passamos a defini-los a partir das necessidades das pessoas. Já faz tempo que profissionais que recebem ofertas salariais mais vantajosas financeiramente para mudarem de emprego passam à frente nas prioridades de reajustes salariais, numa tentativa de as empresas evitarem o turnover a qualquer custo, mesmo que a performance da pessoa não justifique o investimento adicional e que desestabilize toda a coerência interna da remuneração.

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Em uma discussão recente sobre as mudanças corporativas que temos acompanhado, acabei refletindo sobre a transformação da área de “RH” para a área de “People”, que trouxe um viés muito mais humanizado e individualizado para as pessoas, entendendo-as como seres únicos, integrais e que possuem necessidades a serem supridas pela empresa em troca do seu trabalho.

Mas com essa mudança de contexto, a área de Remuneração precisa se desdobrar para conseguir justificar aos próprios pares a lógica que mantém a coerência dos pacotes de remuneração entre diferentes áreas e níveis de cargos. É como se esse processo que materializa o valor do trabalho andasse na contramão de toda uma engrenagem que se formou ao redor da felicidade do empregado. A equipe de Remuneração é percebida como uma espécie de “fogo amigo”, que atrapalha a execução dos planos de atração, retenção e engajamento.

Mas essa mudança tão radical de foco pode ter consequências perigosas quando não são considerados aspectos que garantem a sustentabilidade do custo de pessoal… Estão aí os layoffs para nos mostrarem potenciais impactos bastante negativos.

Os times dedicados a essa matéria são frequentemente pequenos e bypassados, sem autonomia para voto e veto. Muitas vezes não têm verba para investir em instrumentos adequados para as análises (há exceções, é claro!). E no meio desse contexto, a força da demanda que chega através dos líderes e do próprio time de RH acaba por restringir a contribuição desse processo tão crítico e estratégico para os negócios. Como se só um aumento salarial pudesse salvar um vínculo já quebrado por outras razões de gestão.

E aí vale uma reflexão, um tanto quanto polêmica, sobre o que a empresa quer considerar nesse chapéu de “People”. Será que a natureza dos processos de Remuneração se afastou tanto dos demais subsistemas da área que passaram a divergir entre si? Se a resposta for sim, é importante resgatar a sincronia da oferta de valor oferecida ao profissional, sem esquecer que existe uma lógica financeira que sustenta todo o investimento em pessoas e uma inteligência por trás da valoração de cada posição. Ou talvez uma solução menos óbvia fosse repensar onde alocar o time para melhor aproveitar seu valor agregado.

Nem só de aumento salarial vive um funcionário feliz.

Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.

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